Milton Hatoum
ÓRFÃOS DO ELDORADO (2008)
“A mulher de duas idades. Dinaura. Não lembrava com nitidez do rosto; dos olhos, sim, do olhar. Rever o que foi apagado pela memória é uma felicidade. Tudo voltou: o sorriso, o olhar vivo no rosto anguloso, olhos mais puxados que os meus. Uma índia? Procurei a origem, nunca encontrei. Encontrei outra coisa, que só depende do acaso, de um único momento da vida. E percebi que era tarde demais para desfazer o destino.” (Hatoum [2008], 2008, p. 31)
“Num domingo de 1965, quando ainda não havia TV no Amazonas, meu avô me chamou para almoçar na sua casa. Eu nunca recusava esses convites, pois sabia que, depois de comer os quitutes preparados pela minha avó, ele me convidaria para conversar à sombra de um jambeiro. Na verdade, era um monólogo, que eu interrompia apenas com perguntas. Naquela tarde, meu avô me contou uma das histórias que ouviu em 1958, numa de suas viagens ao interior do Amazonas.
Era uma história de amor, com um viés dramático, como ocorre quase sempre na literatura e, às vezes, na vida. Essa história evocava também um mito amazônico: o da Cidade Encantada.” (Hatoum, Posfácio, [2008], 2008, p. 105)

